Se no passado a opacidade era o principal ativo, agora regulação e transparência são elementos basilares para o sucesso de um regime preferencial
Oatual procedimento interposto pela Comissão Europeia ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) parece ser filho de uma época que já passou. Não se contesta a necessidade de combater práticas de concorrência fiscal prejudicial por parte de contribuintes abusivos. E também se compreende que essas práticas abusivas são muitas vezes proporcionadas por opções legislativas de diversos países que, aproveitando uma qualquer oportunidade concorrencial mais desproporcionada, chamam a si matéria coletável que, de outra forma, se localizaria noutra jurisdição.
Porém, o mundo não é uniforme: nem todos os países, ou regiões, se encontram num mesmo patamar de desenvolvimento. Assim, existem justificações para a outorga de algumas vantagens fiscais. A principal reside precisamente na aferição dos efeitos económicos do benefício fiscal em termos de contribuição para o desenvolvimento económico da região outorgante. Se uma zona é deficitária em sede de apetência para a geração de capital, será essencial, por motivos de externalidades de rede e de economias de escala, que lhe seja proporcionado um impulso que lhe permita atuar num patamar de igualdade face a outras regiões. Às zonas insulares ou, na denominação comunitária, às áreas ultraperiféricas é reconhecido esse handicap, decorrente dos elevados custos de transporte, da dimensão reduzida e da exigência de manutenção normais de padrões de serviço público, pelo que lhes poderá ser permitido a criação de regime fiscais que visem a atração de investimento.
Este modelo só funciona se as normas fiscais internacionais assentarem nos modelos de tributação tradicionais: a fonte ou a residência. Ora, temos assistido, nos últimos anos, a uma alteração dos paradigmas da fiscalidade internacional. Por um lado, o programa BEPS tem reforçado a exigência de materialidade das operações, o que anula, à partida, quaisquer efeitos de distorção decorrentes de regimes fiscais. Por outro lado, cada vez mais os Estados têm recorrido a instrumentos que têm subjacente o princípio da tributação no destino, anulando, à partida, qualquer veleidade mais concorrencial da jurisdição da origem, quer esta adote o princípio da fonte ou da residência. Neste quadro, uma qualquer posição que defenda uma distorção concorrencial fiscal decorrente de uma eventual tributação reduzida na origem ficará inevitavelmente enfraquecida se tomarmos em consideração os instrumentos legislativos atualmente existentes ao nível dos preços de transferência e das normas antiabuso, entre outros.
Regimes fiscais como o do CINM só poderão ter algum sucesso, nos dias de hoje, se merecerem confiança, gozarem de estabilidade e beneficiarem de uma regulação que garanta a segurança das transações e a credibilidade dos intervenientes. Este último aspeto é crucial. Um hubfinanceiro só poderá ser criado se os diversos agentes confiarem nessa jurisdição. Se no passado a opacidade era o principal ativo, na época atual a regulação e a transparência são elementos basilares para o sucesso de um qualquer regime preferencial. Assim, poderá ser dito com algum grau de certeza, que o sucesso atual do CINM decorre em larga escala da qualidade do ambiente regulatório em que está inserido. Neste quadro, e como é o caso desde a sua criação, o CINM é um regime fiscal nacional e não um regime regional restrito à Região Autónoma da Madeira.
Mais preocupante é quando a Comissão Europeia, na medição dos efeitos económicos do benefício, restringe a sua análise ao número de postos de trabalho criados pelos sujeitos passivos. Como é facilmente entendível, a criação de postos de trabalho é uma das muitas potenciais fontes de desenvolvimento económico. Porém, com o advento da economia digital e da imaterialidade, será um elemento cada vez menos relevante. As metodologias de trabalho à distância e de criação de valor por via da inovação serão elementos mais relevantes para uma estrutura baseada num território insular como é o caso das nossas regiões autónomas.
Assim, um qualquer procedimento que se limite a analisar os efeitos económicos de um benefício por via unicamente do número de postos de trabalho criados, ainda mais numa região ultraperiférica, já seria desajustado nos anos 90 do século passado, quanto mais no início da terceira década do século XXI.
A grande questão que se coloca é pois o da oportunidade na manutenção de um hubcomo é o CINM. Será que a União Europeia pretende prescindir de um regime de atração de empresas para o espaço comunitário, altamente regulado e com enorme credibilidade, sendo que, não existindo este, as empresas que aí se situam se deslocalizarão para outras jurisdições, com menor controlo e pior regulação?