Sendo a Região Autónoma da Madeira uma região ultraperiférica, assim definida no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, é elegível para um auxílio regional ao funcionamento. Considera-se que o normal funcionamento do mercado e o regime fiscal regra não atingem por si só os objectivos esperados em matéria de coesão da União e é necessária a intervenção estadual para superar os obstáculos à atracção ou manutenção de actividades económicas.
O Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), mais conhecido por Zona Franca da Madeira, é constituído por uma Zona Franca Industrial, um sector de Serviços Internacionais e um Registo Internacional de Navios. Ele foi concebido para fomentar a diversificação da economia e por isso a panóplia de actividades ali permitidas é vasta. As empresas licenciadas para operar no seu âmbito do beneficiam de uma taxa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas reduzida de 5%, entre outros benefícios fiscais. As vantagens do CINM criam condições para que a Madeira seja um espaço atractivo para a localização de empresas.
Recentemente, porém, o CINM enfrentou uma certa desventura face à decisão da Comissão Europeia que concluiu a sua investigação formal no sentido de que uma versão do regime fiscal anterior, o regime III, tal como executado em certos casos, não cumpriu as decisões de aprovação de 2007 e 2013, determinando que Portugal deveria recuperar o auxílio incompativelmente concedido. A República e a Região interpuseram recursos da decisão da Comissão Europeia com vista à sua anulação. Os processos ainda não chegaram ao seu termo. A nosso ver, seria conveniente que o Tribunal de Justiça da União Europeia tutelasse as legítimas expectativas criadas, derivadas da Lei, de inúmeros pronunciamentos escritos e do comportamento das autoridades nacionais e regionais e da própria prolongada actuação – em rigor ausência de actuação – da Comissão Europeia. De facto, existe uma justificada situação de confiança a ser protegida. Se se exigia a criação de postos de trabalho, sem mais, o requisito não significava criação de postos de trabalho apenas para trabalhadores residentes ou actuantes na Região e a tempo inteiro, como só recentemente a Comissão veio invocar.
O regime, tal como revisto em 2021, pretende equilibrar a visão tradicional, que enfatiza elementos de segurança jurídica, segundo a qual, salvo quanto à Zona Franca Industrial, é o rendimento de fonte não-portuguesa que pode ser fiscalmente beneficiado, com uma nova perspectiva, que valoriza a equidade económica, segundo a qual o valor acrescentado bruto tem de ser gerado na Região Autónoma da Madeira, os custos anuais de mão-de-obra carecem de aí ser suportados e o volume anual de negócios necessita de aí ser realizado, mitigando a possibilidade de certas actividades serem realizadas de forma extraterritorial, fora da Região.
Este equilíbrio dual, qual yang e yin, tem elementos de maior ordenação mas também de acrescida fluidez, convocando permanente o aplicador da lei para juízos difíceis e de risco, verdadeiramente exigentes. Tendo presente o contexto contencioso com a União Europeia e o reforço inspectivo que dele derivou por parte da Autoridade Tributária, é agora natural que os decisores privilegiem posições mais conservadoras, nas áreas de incerteza.
No que toca à mão-de-obra, por um lado, passam a ser contadas as unidades de trabalho-ano, por referência ao período normal de trabalho a tempo inteiro, e são desconsiderados trabalhadores em regimes de cedência temporária ou ocasional, o que aumenta a objectividade dos requisitos. Todavia, a prova de que os trabalhadores exercem actividade efectiva e consistentemente na Região, apesar de aí não residirem – condição eivada de subjectividade - pode colocar dificuldades, fazendo com que a opção mais segura para cumprir o critério é que apenas se contrate quem resida, para efeitos fiscais, na Madeira. No que respeita ao investimento mínimo a realizar, e apesar de a lei continuar a ser omissa, tratando-se de imóveis, há a convicção de que o mesmo deve ocorrer dentro da Região.
O novo regime especifica ainda que quaisquer rendimentos, despesas ou perdas devem ser imputáveis à actividade desenvolvida pela entidade licenciada através de uma estrutura empresarial adequada localizada em Madeira. Este conceito não é definido. Em nosso entender, deve aferir-se a presença de elementos de substância e efectividade, na linha da proposta de Directiva europeia Unshell. Já estamos para além do combate às meras “caixas postais”. Além de instalações e trabalhadores residentes na Região, serão eventualmente relevantes o nível de experiência dos trabalhadores e gerentes, os seus poderes de decisão e o papel que desempenham na organização. A empresa deve ser capaz de demonstrar que as principais actividades geradoras de receita são realizadas na Região e que a sua efectiva gestão empresarial também aí se localiza.
Em suma, para que o incentivo à atracção de empresas funcione na plenitude, e de modo a não pagar o justo pelo pecador, convoca-se doravante um escrutínio muito maior do cumprimento dos requisitos por parte, desde logo, das empresas instaladas. Mas igualmente aos demais intervenientes, incluindo às administrações tributárias regional e estadual, se exige mais complexidade, sofisticação e bom-senso.
Ao longo da sua existência, o CINM tem contribuído de forma clara para a economia regional e nacional, gerando diversas mais-valias económicas e sociais. O seu novo contexto regulatório envolve incertezas. E a realidade recente demonstrou que ao contexto regulatório anterior, que se supunha certo, subjaziam afinal contingências inimagináveis. Ainda assim, estamos convictos que o maior risco a respeito do CINM, para as empresas portuguesas, seria o de não de aproveitar os seus relevantes benefícios. O maior risco é o de não agir, por pretensamente não se querer correr qualquer risco… Pois quem nada arrisca nunca pode vencer.
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