Algumas reflexões sobre o regime da Zona Franca da Madeira

Vasco Valdez
Advogado. Vogal do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Árbitro em matéria tributária.

 

As empresas só se tinham instalado na Zona Franca da Madeira porque havia esse regime de auxílios de Estado estribado na necessidade de contrariar a ultraperiferia existente na Madeira e que um dos instrumentos para a combater havia sido esse regime fiscal.

A problemática relativa ao Centro Internacional de Negócios da Madeira pode ser vista de um ângulo estritamente político ou de um outro mais técnico. Não havendo espaço num artigo como este para tratar ambos de forma desenvolvida, centrar-me-ei, fundamentalmente, no primeiro dos planos.

Começo com uma declaração de interesses: não simpatizo com regimes fiscais privilegiados e sou um forte apoiante da diminuição ao máximo de benefícios fiscais que estreitam a base de tributação e que fazem com que os contribuintes que deles não beneficiem tenham de pagar muito mais imposto do que teriam a não existirem tais benefícios.

Todavia, não sou ingénuo, ou seja, não advogo que um determinado país desmantele todos os regimes de apoio a empresas quando, simultaneamente, outros Estados, dentro e fora da EU, continuam a manter esses regimes privilegiados, muitas vezes de forma disfarçada ou pouco transparente, causando com isso uma efetiva distorção de concorrência.

Por outro lado, costuma adicionar-se à argumentação anterior uma outra que basicamente consiste em dizer que a Zona Franca da Madeira, se houvesse uma tributação integral das empresas lá instaladas, geraria uma receita de não sei quantos milhões de euros. Nada de mais falso. Lembro-me bem de um debate na Assembleia da República em que participei enquanto secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e em que tive, a dada altura, como interlocutor o então deputado Francisco Louçã, que utilizava justamente esse argumento da perda de receita para o erário público. Na altura tive oportunidade de lhe responder que bom seria que assim fosse, porque estava, ao menos parcialmente, resolvido o problema do défice orçamental português, mas estando ciente de que o senhor deputado sabia que esse argumentário que brandia não era válido. As empresas só se tinham instalado na ZFM porque havia esse regime de auxílios de Estado estribado na necessidade de contrariar a ultraperiferia existente na Madeira e que um dos instrumentos para a combater havia sido esse regime fiscal, de resto, sempre validado pelas instâncias comunitárias nas quatro versões que o regime desde 1987 até à presente data já teve. Como é evidente, se não houvesse esse regime, as empresas não se teriam instalado na ZFM.

Mas nos dias de hoje justificar-se-á manter o regime fiscal do Centro Internacional de Negócios da Madeira? Desde logo, há que dizer que o regime sofreu alguns afinamentos que o tornaram bem menos atrativo do que inicialmente, quer no número de trabalhadores a contratar (com rácios bem superiores na relação entre empresas licenciada e postos de trabalho criados) aplicável a realidades com similitude como a Ilha de Man, Jersey, Guernsey e Malta, quer na redução do IRC isento (com uma tributação que pode chegar a 5%). Isto teve implicações na receita gerada para os cofres da Madeira, quer por força do abandono de cerca de 2.000 empresas da ZFM, quer pelo menor volume de atividade, que acarretou uma perda de mais de 100 milhões de receita em sede de IRC, bem como de IVA.

Por tudo isto e atendendo às dificuldades de toda a ordem que a Madeira e mesmo Portugal Continental apresentam em termos de contas públicas e de assimetrias territoriais, bem como pelo facto de se manterem ainda regimes fiscais privilegiados mesmo no seio da União Europeia, não vemos sentido em não batalhar ativamente pela manutenção (pelo menos) do regime fiscal existente, sob pena de se acentuarem as divergências existentes e adotarmos internamente uma postura que, a curto prazo, se torna altamente prejudicial para os interesses de uma parte importante do território nacional, contribuindo para o seu retrocesso.

 

 

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